sábado, 24 de outubro de 2020

Hematêmese


Arrumo todas as fotografias cuidadosamente. Revivo um tempo que sangra.
Sinto na garganta o sal do meu mar interior. 

Me afogo

A jovem da foto olha fixamente para mim. Quase não me recordo dela.
Era feliz? Morreu cedo?

Morro

Retiro a poeira que cobria o teu rosto. Era sépia teu sorriso.
O meu, sempre cinza. As cores me fugiram cedo.

Resta apenas

O pálido vermelho do coração aberto e sua borbulhante sopa fria, 
temperada de urgências insatisfeitas.

Amarga 

Nossas fotos lado a lado, sequer combinam. Viro as páginas.
Mais de vinte anos se passaram.

A vida

Sonhos coagulados no prato. Coração em preto e branco.
Só a dor ainda é vermelha.