quarta-feira, 3 de abril de 2019

Misantropia


Foto: Leão (postada aqui) - Desconheço a autoria

Lamento não estar feliz
ofereço-te presença
mas nunca o coração
venho ao teu encontro
por conveniência ou obrigação
e aqui ficarei
por um tempo arrastado
de silenciosa expiação
desejando secretamente
abreviar tua companhia
não por aversão
mas por receio de ti

Desaprendi a habilidade
do encontro, do contato
não são todos os olhos
que digiro sem náusea
olhares que julgam
que aprisionam
que sondam e espionam
olhares que não vêem
senão a si mesmos
olhares que se desviam
que caçoam e ameaçam
olhares impiedosos e frios

Esses me assustam
me violentam e debilitam
com eles me acabrunho
e retorno aos pedaços...
vejo meus frágeis tapumes
quase sempre derrubados

O bom destino entretanto
em momentos piedosos
me traz olhares clementes
são poucos... são raros
olhos que aguardam convite
e respeitam limites
olhos que se orvalham
que acolhem e encorajam
olhos que me sustentam
olhos que me ensinam
que me enxergam genuína
e não me desrespeitam

Esses me resgatam
matam um pouco da sede...
com eles me abrando
e não me percebo invadida
retorno e permaneço
pessoa inteira e completa

Desculpe-me mesmo
por preferir a fuga
por não pedir ajuda
por fingir viver bem
com a minha solidão
por não saber fincar cercas
por desconhecer a arte
de misturar o não ao licor
na dose certa
 sem estragar-lhe o sabor
talvez um dia eu consiga
e abra a varanda pra vida