terça-feira, 17 de julho de 2018

Pai, tenho fome


Foto: Google Images, desconheço a autoria

Pessoas nutritivas
matam as fomes da alma
Rearrumam verdades
em pratos de porcelana
Penduram outros desenhos 
nas paredes da vida
Derramam água na boca
e purpurina nos olhos
Confeitam o céu com poemas, 
sopram açúcar no vento
e mudam de repente
a receita de um pensamento

Obrigada, Senhor
por essa forma de alimento

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Resgate


Foto de um cachimbo Bent Billiard, postada AQUI


Quis a magia do tempo
que pedacinhos de vida
ficassem atados 
àqueles pequenos objetos.
Passasse o tempo que fosse...
ficassem eles de lado, esquecidos, 
nada importaria...
No dia em que fossem resgatados
pelas mãos daquela menina,
lá estariam de volta as histórias,
intactas, como se vividas a pouco.
Um pequeno tubo de linha
seria capaz de contar,
com suas cores pasteis,
uma noite de formatura
e o feitio de um vestido
bordado por mãos calejadas
cheias de orgulho da moça
que o vestiu e com ele bailou  
ao lado do terno cinza do pai.
Um delicado vaso de porcelana, 
salpicado de corações rubros,
revelaria a simplicidade do quarto,
com móveis de madeira escura,
onde aquela menina dormia
e tecia seus sonhos futuros 
com fios de imaginada felicidade.
Um velho cachimbo envernizado,
 com sua elegante piteira de ébano,
rescendia o perfume da saudade 
ainda aquecido pelo fumo 
e pelas mãos austeras que o erguiam.
Assim, cada objeto tinha voz
e contava sua própria história.
E a menina, hoje já deslembrada,
poderia ouvir aqueles cantares 
e viver, uma vez mais,
a sua noite de formatura,
a valsa com seu pai, 
o sonho e a ilusão
de sua felicidade futura.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Suanam


Foto: Por-do-Sol em Manaus, por Fmgc

Toda a angústia se desfaz
quando espalho meu olhar sobre ti
e deixo que ele se derrame
em cada canto teu
em cada lugar
encontre ranhuras, lacunas
e as preencha 
porque és minha
sempre foste
te reconheço por cores
e te batizo com sabores
minha sempre amada
de extensos abraços
e de sorrisos sem fim.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Lúcida


Ilustração: Touching Fingers, por  Daniil Peshkov

É bom voltar...

Eu sempre retorno
sozinha... à noite
para onde ninguém imagina
para onde não há testemunhas 
eu sempre volto
sem dinheiro, de mãos vazias
eu sempre volto
e rearrumo a casa
e sinto o cheiro da comida
e limpo a poeira
e reescrevo as histórias...

Eu volto porque preciso
eu me visito por lá
onde vivo esperando
num tempo que ninguém vê
eu volto para falar comigo
eu quero olhar para mim
e perguntar os por quês
e rever os segredos
e entender as escolhas
e me defrontar com sonhos
que deixei para trás

Eu revivo as lutas
e reviro as feridas
eu sempre retorno
e me banho de dor
ou me visto de saudade
e sorrio das mesmas piadas
eu sempre volto
porque é bom voltar
apenas isso...

Talvez um dia
alguns anos a frente
eu me reencontre no hoje
e me assuste 
com a pessoa que sou
mas, por enquanto,
visito o que deixei
e de forma simples, pura
perdoo-me e gosto de mim.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Magma

Foto: Burning Inside, por Vluhd

Sempre me percebo voltando
talvez nem tenha partido
pois tudo está em mim...
a tinta das paredes
as cores dos jardins
o cheiro das ruas da infância
evaporando-se nos sonhos e vôos
de uma criança sozinha
e as lágrimas secretas
descritas nos velhos cadernos
perdidas em meio às gotas 
das chuvas daquelas manhãs
todos os verões e invernos
trago-os aqui comigo
neste universo antigo
aceso em lavas ardentes
a correr pelo meu peito
num testemunho eterno
de uma vida sem sentido...